26º Coronavírus: como cuidar do equilíbrio mental durante o isolamento?

26º Coronavírus: como cuidar do equilíbrio mental durante o isolamento?

Mais do que falar sobre aquilo que já todos temos ouvido nas notícias, nós queremos abordar o COVID-19 numa perspectiva de saúde mental.

Com Cristina Sousa, Médica de Família

A meditação, ou outras formas de relaxamento, tal como o mindfulness são excelentes. Existem formas diferentes de meditação, cada pessoa pode arranjar as suas formas de relaxamento, com que mais se identifica, que são uma forma de prevenir a ansiedade.

Bem-vindos ao 26º episódio do podcast Bela questão! Hoje, trazemos o tópico do momento: o COVID-19, mais conhecido por coronavírus. Para falar sobre este tópico, temos uma profissional de saúde connosco, que nos pode assim dar uma perspectiva mais informada sobre o assunto.

Contudo, mais do que falar sobre aquilo que já todos temos ouvido nas notícias, nós queremos abordar o COVID-19 numa perspectiva de saúde mental.

Começo por apresentar a convidada especial, Cristina Sousa, Médica de Família num Centro de Saúde, na Amadora. Foi no 9º ano que teve que tomar a decisão de escolher entre medicina e música. Escolheu a medicina, mas não largou a música! O piano era uma paixão e ainda hoje a acompanha, por vários estilos musicais. Atualmente, a sua área de especialidade é a saúde mental.

Estou particularmente interessada na área da saúde mental, porque considero que a prevenção é bastante importante nas nossas vidas e gosto de ver a medicina como um meio para nós atingirmos o máximo de felicidade e bem-estar. É esse o uso que eu faço da medicina e particularmente da saúde mental.

Cristina Sousa

Agora, vamos ao que nos trouxe por cá. O episódio divide-se em três partes:

  • Primeira: o que devemos saber sobre o coronavírus, afinal?
  • Segunda: espaço para as belas questões da comunidade do podcast;
  • Terceira: o que podemos fazer para manter a nossa saúde mental, numa altura de isolamento social?

1ª Parte: o que devemos saber sobre o coronavírus, afinal?

Qual é que é a mensagem mais importante, do ponto de vista da comunidade médica?

Nesta fase em que estamos, perante a pandemia do coronavírus, a comunidade médica precisa da ajuda de toda a população.

A maior parte das pessoas ou não vão ter sintomas ou vão ter sintomas ligeiros e nem vão precisar de cuidados médicos, em particular. Portanto, temos que preservar os nossos recursos e as nossas forças para aquelas pessoas que realmente vão precisar da nossa ajuda.

Cristina Sousa

O apelo que faço à população em geral é que nos ajude a ajudar.

Sobre isso, os jornalistas têm-nos informado diariamente e já sabemos que a melhor forma que temos de ajudar é ficar em casa e respeitarmos o isolamento social. Agora, em relação aos sintomas e ao processo, a ideia não é alongar muito, felizmente, a informação tem circulado. Contudo, vale sempre a pena recordar o essencial, de forma sucinta.

Que comportamentos devemos ter conforme a intensidade dos sintomas que possam ser provocados pelo vírus?

Nesta fase, se alguém tiver sintomas respiratórios ligeiros, nomeadamente tosse, ou apresentar febre, deve tratar como uma constipação normal ou uma gripe, por exemplo, recorrendo ao paracetamol. Até pode contactar o seu Centro de Saúde, através de telefone ou e-mail, evitando deslocações desnecessárias.

Em caso de outros sinais de alarme, por exemplo, uma febre superior a 39 graus, que não passa com a medicação, ou falta de ar, deve ligar para a Saúde 24. Mesmo que não atendam à primeira, devem tentar várias vezes para saber qual a abordagem. Caso a Saúde 24 não atenda e perante sintomas graves, como a falta de ar, então, deve colocar máscara e dirigir-se a um serviço de urgência, em que os profissionais de saúde estarão prontos a ajudar.

Agora que falaste na máscara, aproveito e pergunto: o que é que há de controverso na questão da máscara e das luvas?

A máscara, sem dúvida, é indicada para as pessoas que têm sintomas respiratórios, para proteger as outras pessoas, e para os profissionais de saúde, que também devem usar como forma de se protegerem e protegerem os outros. Agora, o uso da máscara em pessoas sem sintomas e sem contactos suspeitos é um bocadinho controverso. Vai depender da forma como se usa a máscara.

Não é necessário usar máscara, se não tivermos sintomas ou contactos suspeitos. O importante é não levar as mãos à cara, nomeadamente aos olhos, boca e nariz, porque são as três portas de entrada do vírus.

Cristina Sousa


Quem usa a máscara deve ter todos os cuidados para não tocar na máscara, não tocar na cara e só mexer nos fios laterais.

E em relação às luvas, a mesma coisa?

Alguns profissionais de saúde terão de as usar para certas situações. Relativamente à população em geral, não há necessidade de usar luvas, uma vez que, por exemplo, podemos ter o vírus nas mãos ou nas luvas e, se não tivermos este cuidado de evitar tocar na cara com as mãos, vamos levar igualmente o vírus que está nas luvas.

Importa ainda referir as outras medidas. Para além de evitar levar as mãos à cara, é preciso lavar frequentemente as mãos, com solução alcoólica, desinfetante ou água e sabão, durante 20 segundos.

Para além disso, manter também uma distância de um ou idealmente 2 metros de toda a população, para evitar essa via de transmissão do vírus entre as pessoas.

Agora, sobre o vírus, para entendermos melhor este “bichinho”, sabemos que não é um ser vivo e que precisa de estar associado ou acoplado a seres vivos. Podes explicar um pouco melhor como é que este funciona?

Exato, é um “bichinho” muito esperto. Não é um ser vivo, é um microrganismo, que tem uma atitude de parasita, digamos assim. Precisa de animais, bactérias ou plantas para sobreviver. Neste caso, o coronavírus infeta o ser humano, daí temos assistido agora a esta pandemia.

Pois, porque já estamos na segunda fase do Coronavírus, é como se fosse o Coronavírus 2.0, sendo que a primeira surgiu em em 2002 e 2003, é isso?

Sim, é o SARS-CoV-2 – Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 – e já houve o SARS-CoV-1, em 2002/2003.

Em relação ao sistema imunológico, porque é que os idosos são mais afetados e as crianças têm sintomas mais ligeiros? Podes explicar um pouco como é que funciona a nossa imunologia ao vírus?

As crianças, por natureza, têm uma maior memória imunológica e é importante para elas contactar com vírus ou bactérias, porque é assim que elas adquirem as suas defesas.

Toda a gente pode ser infetada pelo coronavírus, independentemente da idade ou das doenças. As crianças, à partida, terão sintomas mais ligeiros, como uma constipação normal ou gripe, ou eventualmente até não ter praticamente nenhum sintoma.

As pessoas em maior risco são os idosos e pessoas com doenças crónicas. Nesse caso, os sintomas podem ser mais graves e ter consequências mais graves, daí a importância em protegermos aqui os nossos idosos e as pessoas com mais comorbilidades. Temos o dever social de nos protegermos para que não infetemos as pessoas que têm maior risco.

parte: As belas questões da comunidade sobre o coronavírus

Primeira questão: “Qual o maior medo como profissional e como pessoa, em relação ao coronavírus?

O meu maior medo como profissional é ficar infetada, ter que ficar em isolamento e não poder ajudar. Um aspeto que me pode limitar a ajudar as pessoas será a falta de equipamento de proteção individual e material. É um medo que é transversal a todos os profissionais de saúde e estamos a lutar para que haja uma melhoria do fornecimento do material, para que nos próximos meses consigamos ajudar a população.

Relativamente ao meu medo pessoal, à partida, não sou uma pessoa de risco, não adquiriria uma infecção grave, mas o meu medo é não proteger eventualmente as pessoas mais idosas e com mais comorbilidades.

Vamos para a próxima questão: “qual é a previsão de que isto tudo termine?

Pois, prognósticos só no final do jogo, não é? Esperemos que os casos venham a diminuir o mais rapidamente possível.

É uma bela questão! A próxima: “se for infetado e depois ficar curado, posso voltar a ficar infetado?”

Boa questão! Fica com maior imunidade. É um fenómeno que acontece com todos os vírus. Após uma infeção, à partida, as infeções seguintes serão mais ligeiras e um exemplo disso é a vacina da gripe, que se faz todos os anos nos idosos e em alguns doentes. Não previne completamente ter a infeção, mas faz com que, se houver infeção, os sintomas sejam mais ligeiros e que haja menos consequências.

Muito obrigada pela resposta! Próxima: “porquê o nome de uma cerveja mexicana para uma doença que se originou na China?

(Risos) Boa questão! Chama-se corona porque o vírus parece ter uma forma de coroa.

Aqui fica mais uma bela questão com humor: “se o vírus passar por mim e se eu lhe der um tiro, sou criminosa?”

Acho que essa situação não está prevista na lei (risos) e que toda a gente agradecia.

Também acho que ficávamos todos muito gratos! Próxima questão: “quais são os riscos para alguém que toma imunossupressores?”

Não está comprovado que os imunossupressores levem a uma maior gravidade dos sintomas pelo COVID-19. Mas de qualquer das formas, estas pessoas devem ter o máximo de cuidados, naturalmente, para evitar infeções graves.

“Quais é que são os cuidados ou os riscos de comprar frescos no supermercado?”

Não há riscos, se tivermos os cuidados de lavagem das mãos e dos frescos.

E agora a última questão: “como podemos ajudar a passar a mensagem e qual é a mensagem”

A mensagem final, é que não deve alarmismo, mas uma forte responsabilidade social. Temos que estar unidos, lutar juntos. Acho que é uma guerra que parece virtual, mas é uma guerra biológica muito real.

Queria aproveitar para agradecer a todos os que fizeram belas questões! Obrigada pela vossa interação e espero que tenham ficado esclarecidos. Se tiverem mais questões, perguntem no nosso Instagram.

3ª Parte: o que podemos fazer para manter a nossa saúde mental, numa altura de isolamento social?

Passamos à terceira fase do podcast, em que vou partilhar algumas dicas partilhadas pela comunidade com a Cristina Sousa. As dicas falam de como a nossa comunidade cuida do seu equilíbrio mental, agora que estamos em isolamento social, por causa do COVID-19.

A maior parte das dicas tem uma explicação médica e é muito interessante podermos ter essa visão, neste caso na voz da Cristina Sousa, que vai completar as nossas dicas!

Primeira dica: fazer exercício em casa. O que nos diz a ciência sobre isso?

O exercício físico e a alimentação saudável são uma excelente forma de melhoramos a nossa imunidade, portanto, o exercício é sempre bem-vindo!

O exercício físico liberta endorfinas, que nos fazem sentir bem nas horas, dias e semanas a seguir, portanto, tem um papel fundamental.

Podes explicar para leigos como é que funcionam as endorfinas?

São, no fundo, hormonas cerebrais e acabam por nos trazer várias sensações, neste caso, de bem-estar. Têm um sistema complexo, mas o essencial é mesmo que trazem bem-estar.

Outra dica: apanhar um pouco de sol à janela, todos os dias.

Sobre a questão de apanhar sol, nós precisamos de luminosidade, durante o dia, e de ausência de luminosidade, durante a noite. É muito importante para termos novos ritmos biológicos. Chama-se o o ciclo circadiano, em que produzimos certas hormonas durante o dia, que nos fazem estar mais alerta, e produzimos outras hormonas durante a noite, que nos fazem dormir melhor, e nos permitem estarmos mais descansados.

Mais uma dica: fazer pães e bolos para a família!

Sem dúvida! O convívio é bastante importante para nós que somos seres sociais. Faz-nos bem interagir com os outros.

Muito obrigada! Mais uma: “aproveitar para ler aqueles livros que ficaram a meio ou que queremos muito ler.” Já agora, pergunto se tens alguma recomendação de livros.

Sim, acho que a leitura fundamental! Cada um pode optar pelos seus gostos e, lá está, há aspetos negativos associados ao isolamento, mas mesmo em fases complicadas da nossa vida há sempre aspetos positivos, é uma questão de conseguimos encontrá-los.

A recomendação de leitura que dou é um livro que se chama: “Uma caixa de primeiros socorros das emoções”, da psicóloga Maria Palha. Ela retrata vários ambientes de guerra em que passou e onde foi psicóloga. O que ela se admira é que mesmo nesses ambientes de guerra é possível ser-se feliz e fala do voluntariado e de atitudes em prol do outro como uma forma de bem-estar, que está comprovado pela ciência.

Se nós fizermos o isolamento a pensar que estamos a ajudar os outros, só o facto de pensarmos nisto vai fazer-nos sentir bem e produzir as tais endorfinas (hormonas do bem-estar).

Em relação a isso, agora entrando nessa questão do equilíbrio mental, de como contornar a ansiedade que possa surgir, há aqui mais uma dica, que é sobre a meditação. A pessoa escreveu: “meditar, neste momento, eu entendo o que é muito importante para serenar”. Podemos então entrar neste tópico da ansiedade e da necessidade de relaxamento?

A meditação, ou outras formas de relaxamento, tal como o mindfulness são excelentes. Existem formas diferentes de meditação, cada pessoa pode arranjar as suas formas de relaxamento, com que mais se identifica, que são uma forma de prevenir a ansiedade.

Os sintomas de ansiedade podem ser, às vezes, difíceis de identificar. O mais fácil é se nos sentirmos ansiosos, nervosos, stressados ou preocupados. Mas, às vezes, existe uma certa ameaça que entra no nosso cérebro, digamos assim, no nosso subconsciente, e manda-nos alguns sinais para o nosso organismo, que pode causar, nomeadamente palpitações, dor no peito, falta de ar, tremores, cansaço, dores na barriga, aperto na garganta, entre outros que não me estarei a lembrar neste momento. As pessoas podem ter dificuldade em relaciona-los com a ansiedade.

É importante, perante algum destes sintomas, que a pessoa pense se está preocupada com alguma coisa, com alguma alteração da rotina… Neste momento, acho que toda a gente tem pelo menos um motivo para se sentir preocupado, não é? E pode ser o suficiente para despoletar estes sintomas.

Recorremos a estas atividades de relaxamento, convívio, brincadeiras, conversas com os familiares, entre pais e filhos, ou mesmo parar algum tempo (parar é importante para refletir) para aprendermos e crescermos, acho que é importante e nunca esquecendo da parte do humor, como tens feito aqui. É bastante importante. Rirmo-nos connosco, de nós próprios.

Já agora, o humor também liberta endorfinas?

Sim. Tudo o que nos faz sentir bem, acabam por ser essas endorfinas. Há vários tipos de hormonas, nós acabamos por chamar endorfinas àquelas que nos fazem sentir bem.

Próxima dica: “minimizar a exposição aos media”.

Lá está, nem 8 nem 80. Os media têm feito um papel fundamental de informar a população e é importante. Agora, podemos reservar algumas alturas do dia, por exemplo, o jornal do dia ou da noite, para retirarmos assim as medidas mais essenciais, as notícias mais importantes, e realmente não estar o dia todo ligado à televisão, ecrãs ou telemóveis. Apesar de terem coisas positivas, também nos retiram outros momentos que poderíamos estar a usar para outras atividades, como aqui falamos. Nomeadamente, ter atenção às crianças em que há uma tendência para o uso excessivo de ecrãs.

Sabe-se atualmente que as crianças que usam os ecrãs durante muitas horas por dia têm uma tendência para desenvolver uma certa intolerância à frustração, dificuldade em lidar com as pausas, com a monotonia.

Arrisco-me a dizer dizer que já não são só as crianças. Não sei se existem estudos, mas os adultos cada vez mais, sobretudo pelo smartphone, começam a sofrer um pouco dessa impaciência, desse aborrecimento, do não ter nada para fazer. Foi uma das coisas que mais me custou no retiro do silêncio, aceitar o aborrecimento.

É verdade. Muitas vezes os pais acabam por dar o exemplo de estar no telemóvel.

Próxima dica: fazer um diário da pandemia. Escrever ajuda.

Escrever realmente ajuda-nos a assimular a informação de forma diferente, como tu nos tens vindo a habituar, Amália, com várias estratégias, como a escova da mente. É uma excelente opção, quer seja para pessoas que estejam habituadas a escrever ou não.

Para ajudar a organizar as “gavetas mentais”. Mais uma dicas: “manter uma rotina de trabalho”.

As rotinas são importantes. Há pessoas que dizem que não se dão muito com rotinas, mas como seres humanos precisamos sempre de alguma rotina, nomeadamente para o sono, é muito importante termos horas para deitar e levantar, mesmo rotinas para as refeições e para fazermos atividades que gostamos.

Não esquecer a hora antes de se deitar. É importante desintoxicar aqui um bocadinho os pensamentos para acalmarmos e conseguirmos ter uma boa noite de sono.

Uma última questão sobre a ansiedade e sobre o equilíbrio mental: se uma pessoa tiver os sintomas e nem com estas estratégias da meditação, relaxamento ou respiração não os conseguir acalmar, o que deve fazer, se os sintomas forem tão incómodos que lhe retira qualidade de vida?

Quando as pessoas não conseguem ter o controlo sobre estes sintomas, apesar de medidas como estas, nessa altura de pandemia, o que eu aconselhava era contactar o Centro de Saúde, via telefone ou e-mail, porque acho que será a melhor ajuda. O médico de família, conhecendo bem a pessoa, poderá ajudar e ver se é necessário algum tipo de medicação. E pode nem ser necessário se dirigir ao centro de saúde.

A pessoa pode ter uma prescrição virtual?

Sim, via telefone ou e-mail.

Muito obrigada, Cristina! Agora, que estamos a chegar ao final, para terminar da melhor forma, pedia-te que tentasses resumir a mensagem-chave deste episódio.

Sem alarmismos, responsabilidade social. Temos que ficar mais isolados, mas temos que manter não só a nossa saúde física mas também mental, porque a vida continua.

E vai melhorar daqui para a frente, é a minha convicção. Muito obrigada, Cristina, pelo teu tempo, pela tua visão e pelas respostas às belas questões da nossa comunidade!

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